Tradução de Francisco Silva

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Adam Rouhana: o fotógrafo à procura da liberdade na Palestina

Will Matsuda





Adam Rouhana visitou a Palestina todos os anos da sua vida. Algumas das suas primeiras memórias têm como pano de fundo o pomar de limoeiros e damasqueiros dos seus avós, onde brincava com os primos às escondidas. A sua família vive na encosta do Monte Carmelo, perto de Haifa, com vista para o vale de um rio – “um wadi”, disse-me recentemente – e com o Mar Mediterrâneo a brilhar à distância. “Lembro-me de me deitar no meu quarto em casa dos meus avós, a ouvir um CD dos Radiohead que o meu irmão me ofereceu”, partilha Rouhana. “Nessa altura não compreendia muito bem o que era a ocupação”.


Adam cresceu em Boston e vive agora entre Londres e Jerusalém. De acordo com a história oral da sua família, os seus antepassados imigraram para a Palestina há quatrocentos anos, partindo do que hoje é o Líbano. “Mas”, acrescenta, “a política israelita nega explicitamente que a terra de que venho, em que os meus antepassados palestinianos viveram durante séculos, seja a minha terra-natal”. Rouhana tem fotografado na Palestina desde que pegou pela primeira vez numa câmara, aos 12 anos, e trabalha neste momento sob orientação de Gilles Peress, fotógrafo da Magnum conhecido por cobrir conflitos como os da Irlanda do Norte ou a Revolução Iraniana de 1979. As fotografias de Rouhana rejeitam as narrativas de estado, oscilando, ao invés, entre momentos de beleza silenciosa e cenas brutais de colonização, e oferecendo um ponto de vista palestiniano contemporâneo da vida sob ocupação israelita. 

Em 2008, num discurso pré-gravado e exibido na primeira edição do Festival Palestiniano de Literatura, o crítico John Berger notava, “O tempo passa, mas o que dá sentido à vida humana não muda”. Berger leu a seguir “Carta desde Gaza”, de Ghassan Kanafani, autor marxista palestiniano. No conto epistolar de Kanafani, um protagonista por nomear visita a sua sobrinha de 13 anos, Nadia, num hospital. Abalado por aquilo que vê, escreve a um amigo de infância e suplica-lhe que volte à Palestina: “Tens de voltar, tu! Volta, para aprender com a perna da Nadia, amputada desde a parte de cima da coxa, o que é a vida e o que é que vale a existência. Volta, meu amigo! Estamos todos à tua espera.” Na gravação, os lábios de Berger tremem enquanto lê a última linha. Põe a cabeça nas suas mãos, e a tela escurece. 

As fotografias de Rouhana da Palestina indagam sobre esta ideia “do que é a vida e o que é que vale a existência”. Numa imagem, um rapaz fecha os olhos e esfrega uma melancia contra a cara. A polpa brilha, avermelhada, em contraste com o cenário poeirento atrás. Noutras, Rouhana junta-se a milhares de palestinianos a caminho do trabalho, cruzando controlos fronteiriços altamente militarizados. O flash da sua Leica ilumina um mar de faces palestinianas entrecortadas por afiadas barreiras metálicas. Ainda noutra imagem, duas meninas gémeas, com vestidos às flores a combinar, permanecem à frente do posto fronteiriço israelita de Qalandia, o acesso principal para palestinianos entre Jerusalém e a Cisjordânia. A imagem é direta, bela e até absurda. Existir nesta paisagem é ser-se devorado por esta máquina – uma máquina com olhos de câmaras de vigilância, dentes de arame farpado, e corpo feito de betão deteriorado e aço afiado.





Rouhana procura formular “novas representações palestinianas”, questionando em simultâneo a sua posição enquanto palestino-norte-americano atrás da câmara. Ele reconhece a sua posição privilegiada como, a um só tempo, cidadão americano e palestiniano de pele clara. Ele pode tirar fotografias onde outros não podem. “Tiro fotografias para entender e colocar questões,” diz-nos. “Quero produzir imagens através das quais os observadores possam chegar às suas próprias conclusões.” Estas fotografias fornecem alternativas às imagens-estereótipo do país: explosões, funerais, bulldozers israelitas, e protestos nas ruas. Enquanto este género de documentação tem valor próprio, Rouhana orienta as suas imagens para o futuro. “A fotografia tem a capacidade produtiva de quebrar o sistema ao imaginar algo diferente, ao ver algo diferente”, refere. Ao longo dos últimos cinco anos, Rouhana tem procurado ativamente um sentido de comunidade entre palestinianos. “Só os outros palestinianos é que sabem o que é ser-se oprimido por Israel tal como eles são”, diz-nos. Ele estuda as formas como outras populações subalternizadas podem entender e contribuir para a libertação palestiniana. “Ruth Wilson Gilmore diz que a liberdade é um lugar”, comenta Rouhana, referindo-se à ativista, académica e abolicionista do sistema prisional afro-americana. “Eu acrescentaria que a liberdade é um lugar a que podes chamar lar”. Em Regresso a Haifa, romance de Kanafani, uma das personagens, Said, diz, “Estou à procura da verdadeira Palestina, a Palestina que é mais do que memórias, mais do que penas de pavões, mais do que um filho, mais do que cicatrizes escritas por balas nas escadas.” Rouhana regressará à Palestina este ano, tal como em todos, e continuará à procura de uma terra-natal que conhece desde sempre, mas que permanece fora do alcance, como uma piscina encerrada sob um sol escaldante. Um dia, espera, irá encontrá-la.



Todas as fotografias são de Adam Rouhana, da série Before Freedom (2022-). 

Artigo originalmente publicado na aperture: https://aperture.org/editorial/the-photographer-searching-for-freedom-in-palestine/


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31 outubro 2023
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